PAPO DE ESTANTE COM MICHELE FELIX, LUGARES ESCUROS
- Convidada: Michele Felix
- 23 de jun. de 2015
- 6 min de leitura

Título: Lugares escuros
Autora: Gillian Flynn
Editora: Intrínseca
ISBN: 978-85-8057-591-0
Gênero: Ficção
N° de páginas: 352
Não sei vocês, mas eu estava morrendo de saudades do nosso "papo de estante"! A convidada de hoje é a Michele, leitora aqui do NTC. Ela leu o livro "Lugares escuros" e gostou tanto, que resolveu compartilhar suas impressões com a gente. Vamos conferir!
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Fui seduzida por Gillian Flynn com "Garota Exemplar" e tipo, obcequei.
Lembro de ter lido este livro e ter ficado uns 10 minutos olhando pro teto, com aquela sensação conhecida de soco no estômago , sabe? Algo amargo vindo na boca, forte. Aí me apaixonei pelo raio da mulher e , como todo obcecado que se preze, fui em busca de mais informações sobre. Aquela googlada rápida e , além de uma mini biografia, a melhor notícia: ela havia escrito mais dois livros. Ambos com sinopses interessantíssimas.
Logo que pude, comprei Lugares escuros, até porque viria a se tornar filme e eu tenho o costume de primeiro ler o livro e depois ver o filme. Às vezes o contrário também funciona, como aconteceu com Jogos Vorazes. No primeiro eu fui crua, sabendo muito por alto do filme/ livro e caí de amores. Já com os outros , aí sim, só assisti depois de ler os livros.
Bem, fui capturada pela sinopse de Lugares Escuros , que é bem legal. Libby Day foi a única sobrevivente de um massacre ocorrido na fazenda em que vivia quando tinha 7 anos, ela foi testemunha de acusação do irmão Ben, colocando-o na cadeia. Vinte quatro anos depois, ela é procurada pelo Kill Club, um grupo de pessoas que estuda casos antigos em que foram deixadas algumas pontas soltas, como é o caso dos Day , que ficou conhecido como Sacrifício a Satanás de Kinnakee.
Libby perdeu a mãe , Patty , e as irmãs , Debby e Michelle , e vem vivendo todos esses anos em casas de alguns parentes e outros lares adotivos com um fundo que foi criado a partir de doações de pessoas que acompanharam o seu caso.
Com o passar do tempo , Libby , agora com mais de 30 anos , é confrontada pelos membros do Kill Club a pensar melhor sobre o que aconteceu, pois eles acreditam piamente que Ben foi acusado injustamente pela irmã e que a polícia apenas o pegou como culpado, com base em fatos inconclusivos e em acusações de pedofilia.
A investigação nunca foi a fundo e deixou pra lá , como por exemplo, uma pegada de sapato masculino que nunca foi verificada com afinco.
E nisso conhecemos Libby Day e sua vida preguiçosa, seus medos, seu receio do mundo... Sua casa, suas manias. Uma mulher, como ela mesmo diz num trecho do livro:
"Tenho uma maldade dentro de mim, tão real quanto um orgão.
Corte minha barriga e talvez ela escorra pra fora, viscosa e escura e caia no chão para que você possa pisar nela. É o sangue dos Day. Há algo de errado com ele. Nunca fui uma boa menina e piorei depois dos assassinatos (...)
Eu não era uma criança adorável e me tornei uma adulta extremamente detestável. Se alguém fizesse o retrato da minha alma veria um amontoado de rabiscos com presas"
Olha, me julguem, mas eu amei essa mulher. Apesar dos pesares, ela é muito humana e sincera com o que sente. O que Libby sente é palpável, sincero, não lá muito correto, claro, mas nos tempos de hoje , em que temos obrigação de sentir tantas coisas para sermos aceitos, aprovados, recebidos, uma pessoa que "sente e pronto" é muito legal.
Conhecemos também seu irmão Ben através dos capítulos em que ele conta o que aconteceu antes dos assassinatos. E também Patty Day, mãe dessas crianças que, desde sempre, junto com ela, carregam um peso emocional muito forte.
Os Day são uma família torta, cheia de minúcias, que nos levam por caminhos que nos fazem conhecer a dificuldade de cada um em levar uns aos outros e a si mesmo. Você é jogado na fazenda deles, em meio aos problemas financeiros deles, a dificuldade de criar 4 crianças, um deles se tornando um adolescente problemático, solitário e oprimido numa casa com 4 mulheres, sem nenhuma referência masculina. Pelo menos nenhuma que preste. Runner, o pai , é um jogador inveterado, devedor convicto e sem nenhum apego á família, aparece esporadicamente querendo dinheiro e nisso fazendo as vezes de pai que nunca fez numa vida inteira. E ainda sim, todo errado.
O livro me deixou elétrica por todas as 351 páginas , eu lembro de ficar remoendo o que havia lido dentro do ônibus durante o dia inteiro de trabalho, rs. Ficava doida pra ir embora e pegar o busão e rezar pra ter um lugar pra sentar, só pra ver como tinha ficado a página que eu tinha deixado. O livro é eletrizante, cheio de detalhes, cheio de pessoas que trazem todas as nossas emoções. Raiva, medo, dor, nojo, pena, receio... Parece que os personagens estão ali representados por cada sentimento. Achei forte e angustiante.
Ninguém é inocente em nada, de acordo com o transcorrer da história você percebe que não só Libby, mas todos, sem exceção, têm seus lugares escuros. Aliás, eu curti muito a analogia que é feita do título com a protagonista.
Falando em personagens, eles servem como pano de fundo para a trágica história dos Day, todo mundo tem uma ramificação nessa árvore podre e ajuda no declínio total dessa família.
Já li outras resenhas dizendo que a autora ficou perdida, que não se sabe se é um thriller policial, uma crítica social, um drama familiar, ou se é sobre o satanismo... Eu diria que é de tudo um pouco, porque você tem: um assassinato sem solução (pelo menos até o final), uma mãe sem condição de cuidar adequadamente de tantas crianças, uma família numa espiral de caos perdida entre si e tem um quê de adoração ao diabo e a busca de poder segundo as pessoas que se servem disso.
Gosto dessa coisa de não ter um mocinho, um certinho... Você é livre pra poder ter desgosto, poder querer "matar" a pessoa e também, por que não, ver que essa personagem que para alguns é mau pra você é bom, merece uma chance, que foi tão maltratada pela vida, que é lógico que nada justifique um crime ou uma atitute permissiva, mas que essa pessoa consiga se reerguer e seguir com a vida. Uma segunda chance.
Percebi que os Day estão sempre tentando se salvar, seja de si mesmo, seja dos outros... Como se estivessem se afogando, puxados pra baixo no oceano e com muita força chegando á superfície , sugando todo ar que podem. O livro se questiona o tempo todo, você questiona tudo o tempo todo. Te põe pra pensar: "isso é errado, mas teve consequência tal, o que eu faria?".
E as páginas são instigantes, cheias de informações, pistas. A autora chega no final e amarra tudo que você leu durante todo o livro de forma magistral. Tudo faz sentido, explicadinho, surpreendente como promete a sinopse, mas...
Eu não gostei. Do final, apenas do final. Sei lá, esperava mais. Estou com essa mania, foi a mesma coisa com Avengers, achei tudo muito lindo, tudo muito bom, mas o final... Eu esperava que talvez a Libby se materializasse na minha frente, junto com Ben e me contasse o que realmente ocorreu naquela noite horrosa, e depois a gente se abraçasse e tal...Rs. Desculpa. Momento delírio de leitor hehehehe
Mas é tudo muito verossímil, faz todo o sentido e completa o quebra-cabeça psicológica que somos apresentados no começo. Adoro o último capítulo de Ben, é maravilhoso, me identifiquei muito. Falou diretamente á minha realidade.
Gillian Flynn foi maravilhosa em suas páginas, alternando descoberta, repúdio, ansiedade e , no fim , alívio, porque você fica algumas vezes sem posição pra ler, porque é muito real, próximo , a maldade.
Fica aqui a minha resenha e minha indicação desse livro que me manteve sem tirar os olhos de suas páginas das 21:30 até as 1:30 da manhã.

"Eu sou o fruto do amor de um herói e de uma deusa. Meu nome quer dizer sábia; soberana. Acredito que ler e escrever seja o meu super poder e viver seja a minha aventura!"

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